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Guimarães Rosa (Ave Palavra) – mineiridade
sábado 5 de julho de 2025
Reconheço, porém, a aura da montanha, e os patamares da montanha, de onde o mineiro enxerga. Porque, antes de mais, o mineiro é muito espectador. O mineiro é velhíssimo, é um ser reflexivo, com segundos propósitos e enrolada natureza. É uma gente imaginosa, pois que muito resistente à monotonia. E boa — porque considera este mundo como uma faisqueira, onde todos têm lugar para garimpar. Mas nunca é inocente. O mineiro traz mais individualidade que personalidade. Acha que o importante é ser, e não parecer, não aceitando cavaleiro por argueiro nem cobrindo os fatos com aparatos. Sabe que “agitar-se não é agir”. Sente que a vida é feita de encoberto e imprevisto, por isso aceita o paradoxo; é um idealista prático, otimista através do pessimismo; tem, em alta dose, o amor fati. Bem comido, secularmente, não entra caninamente em disputas. Melhor, mesmo — não disputa. Atencioso, sua filosofia é a da cordialidade universal, sincera; mas, em termos. Gregário, mas necessitando de seu tanto de solidão, e de uma área de surdina, nos contactos verdadeiramente importantes. Desconhece castas. Não tolera tiranias, sabe deslizar para fora delas. Se precisar, briga. Mas, como ouviu e não entendeu a pitonisa, teme as vitórias de Pirro. Não tem audácias visíveis. Tem a memória longa. Ele escorrega para cima. Só quer o essencial, não as cascas. Sempre frequentado pelo enigma, retalha o enigma em pedacinhos, como quando pica seu fumo de rolo, e faz contabilidade da metafísica; gente muito apta ao reino-do-céu. Não acredita que coisa alguma se resolva por um gesto ou um ato, mas aprendeu que as coisas voltam, que a vida dá muitas voltas, que tudo pode tornar a voltar. Principalmente, isto: o mineiro não usurpa. Até sem saber que o faz, o mineiro está sempre pegando com Deus.
Aí está Minas: a mineiridade.