Litteratura

Página inicial > Obras e crítica literárias > Gilvan Fogel – milagre (Guimarães Rosa)

Gilvan Fogel – milagre (Guimarães Rosa)

sábado 5 de julho de 2025

Ver algo, algo nele mesmo, uma coisa nela mesma, é ver este algo ou esta coisa desde ele mesmo ou desde ela mesma. E, para tanto, é preciso trans-por-se subitamente para a dimensão própria deste algo ou desta coisa. “Dimensão” é outro nome para dizer afeto — ou interesse, ou “sentimento”, como prefere e insiste Caeiro. Portanto, “apreciar a (tua) presença só com os olhos” quer dizer: pôr-se, trans-por-se para a própria coisa e, assim e por isso, vê-la. Vê-la e tê-la só aí. Isto é: apreciar, gozar, desfrutar só de sua presença. Ser todo só a força (apreciação) da presença (afeto) que ela é, que ela precisa ser. O olhar, o ver é o iluminar-se, o fazer-se visível do próprio afeto.

Tal transposição se faz subitamente, isto é, i-mediatamente ou num salto. Salto é milagre. E milagre é o que se dá sem razão nenhuma para que se dê. É pura gratuidade — desde nada, para nada. Irrupção súbita — doação. Toda coisa, cada coisa, é sempre um milagre — um salto. Por isso, “até quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo”! [1]

FOGEL, Gilvan. O desaprendizado do símbolo: ou da experiência da linguagem. Rio de Janeiro: Mauad X, 2017.


[1Cf. Guimarães Rosa. O espelho. In: Primeiras Estórias.