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Daumal (RDTT:47-57) – Patafísica
domingo 20 de abril de 2025
(RDTT)
Falei sobre a Visão do Absurdo na descoberta de si mesmo. Mas ela deve iluminar todas as representações de sua cruel evidência, e se tornar assim um momento do conhecimento do mundo.
Dou de bom grado a este momento da ciência o nome de "Patafísica", porque me parece reconhecer a mesma atitude de pensamento no livro de Alfred Jarry Gestos e Opiniões do Dr. Faustroll, Patafísico. Alguns franceses riram ao ler esse livro. Mas bem raros os que entenderam a verdadeira natureza do humor de Jarry.
Pois — já que julgo necessário reviver esse primeiro sobressalto da consciência e me identificar com esse momento do conhecimento personificado por Faustroll —, sustento e sei que a Patafísica não é uma simples brincadeira. E se a nós, patafísicos, o riso frequentemente sacode os membros, é o riso terrível diante dessa evidência de que cada coisa é precisamente (e segundo qual arbitrariedade!) tal como é e não de outra forma, que eu existo sem ser tudo, que é grotesco e que toda existência definida é um escândalo.
O abalo desse riso é corporalmente a agitação dos ossos e músculos desagregados pela grande onda de angústia e amor pânico penetrando o íntimo interior do último átomo, e então! sob esse tapa do absoluto, os pedaços do patafísico saltam dentro da pele do sujeito e se lançam sobre as desesperantes mentiras das rotas indefinidas do espaço, rumo ao caos enfim; o indivíduo que se conheceu no todo pode crer por um momento que vai se esparramar em uma poeira tão homogênea que não será mais que uma poeira preenchendo exatamente uma ausência de poeira, em lugar nenhum, em tempo nenhum: ele explode, o feliz sublunar, mas a pele demasiado sólida, o saco elástico o retém, apenas se enruga nas partes mais flexíveis do rosto, levanta os cantos da boca, franze as pálpebras, e distendido ao extremo subitamente se contrai e se recolhe sobre si mesmo em um sobressalto ao mesmo tempo em que os pulmões se enchem de ar e sucessivamente se esvaziam; assim nasce o ritmo do riso, pensado e sentido em si mesmo, observado também pela visão do outro que ri. Cada vez que crê estourar de verdade, o homem é contido por sua pele, quero dizer sua forma, pelo vínculo de sua lei particular da qual a forma é a expressão exterior, pela fórmula absurda, a equação irracional de sua existência, que ele ainda não resolveu. Ele ricocheteia sem cessar sobre esse astro absoluto que o atrai, sem jamais chegar ao ponto morto e, esquentando sob os choques repetidos, avermelha-se sombrio, depois cereja, depois branco e lança glóbulos ferventes e explode novamente com mais violência, e seu riso se torna a fúria dos planetas loucos, e ele quebra alguma coisa, esse senhor que gargalhava.
O riso patafísico é a consciência viva de uma dualidade absurda e que salta aos olhos; nesse sentido, é a única expressão humana da identidade dos contrários (e, coisa notável, é sua expressão em uma língua universal); ou melhor, significa o ímpeto de cabeça baixa do sujeito rumo ao objeto oposto e ao mesmo tempo a submissão desse ato de amor a uma lei inconcebível e duramente sentida, que me impede de me realizar total imediatamente, a essa lei do devir segundo a qual justamente se engendra o riso em seu movimento dialético:
eu sou Universal, eu explodo;
eu sou Particular, eu me contraio;
eu me torno Universal, eu rio.
E por sua vez o devir aparece como a forma mais palpável do absurdo e novamente eu me debato contra ele urrando uma nova gargalhada, e sem fim nesse ritmo dialético, que é o mesmo que o arquejo do riso no tórax, eu rio para sempre e essa descida de escadas não tem fim, pois elas são meus soluços, meus arquejos se perpetuando por seu próprio entrechoque: o riso do Patafísico é também, profundo e surdo-mudo ou superficial e dilacerante, a única expressão humana do desespero.
E diante de minhas outras faces mais semelhantes, os homens, esse desespero se recolhe sobre si mesmo em um último espasmo e, as unhas cravando-se na palma, o punho se fecha, para esmagá-lo, sobre um ovo fantasma onde brotaria talvez, se eu pudesse crer, uma esperança de ensinar. Não, quis apenas dizer o que era para aqueles que já sabiam, que já haviam rido desse riso, para que saibam agora do que falo.
Vocês que se instalaram nesse sol de loucura, esse impossível brilho real da suprema lucidez, podem ouvir a grande voz patafísica de Faustroll, e não podem mais crer que Jarry foi um alegre brincalhão, nem que seu verve rabelesiano e seu vigor gaulês... "Ho hu, ho hu" responde o eco profundo do Bispo Marinho Mentiroso, e é a única, a enorme resposta que mereceria tal insinuação.
O metafísico se introduziu nos poros do mundo e na evolução dos fenômenos sob as aparências da dialética roedora dos corpos, que é o motor das revoluções. Ora, a patafísica "é a ciência do que se sobrepõe à metafísica, seja nela mesma, seja fora dela mesma, estendendo-se tão além desta quanto esta além da física" (Jarry). A dialética galvanizou a matéria. Agora é a vez da patafísica se lançar sobre esse corpo vivo e consumi-lo em seu fogo. É preciso esperar o nascimento iminente de uma nova era, ver surgir no meio das extremas ramificações da matéria uma força nova, o pensamento devorador, glutão sem respeito por nada, não exigindo fé de ninguém nem obediência a ninguém, mas brutal de evidência própria ao desprezo de toda lógica, o pensamento do Patafísico universal que vai de repente despertar em cada homem, quebrando-lhe os rins com um espirro e gargalhando, e gargalhando e estripando a golpes de riso os porta-cérebros demasiado tranquilos, e que diabo de confusão nos sarcófagos mofados onde terminamos de nos civilizar!
Só posso dar aqui breves indicações sobre o desarranjo em que a Patafísica lançará os diversos modos de pensar, agir e sentir das alfaces — ia dizer dos homens —; espero revelar em breve, por exemplo, a descoberta que fiz da patafísica do amor e de um método gráfico que me permitiu traçar a curva do "homem normal", o que não é pouca risada. Por ora, apenas entreabro algumas cortinas sobre essas desopilantes horrores:
Da patafísica em geral. — "Definição. — A patafísica é a ciência das soluções imaginárias, que concede simbolicamente aos lineamentos as propriedades dos objetos descritos por sua virtualidade" (Jarry). Ela é portanto o avesso da física, o conhecimento do particular e do irredutível. Ora, a existência do irredutível é outro aspecto de minha existência enquanto ser particular, existência contraditória, pois ao mesmo tempo me sei parte do Uno. Conhecerei portanto o irredutível apenas ao me tornar Uno-Todo. Entreveem-se assim que a patafísica reveste uma mística, e descobre suas perspectivas sob uma forma concreta. Essas poucas palavras precisarão de centenas de volumes para serem desenvolvidas. Assinalo, porém, esta revelação de Jarry: "Ela estudará as leis que regem as exceções, e EXPLICARÁ O UNIVERSO SUPLEMENTAR A ESTE." Esse "universo suplementar" é o mundo às avessas para onde vão os mortos e os sonhadores segundo as crenças primitivas, é o molde em negativo deste mundo; recolocai este mundo em seu molde, não há mais nada, nem cavidades, nem saliências, mas um só todo. Considerai esta cabeça de cachimbo e todos os caracteres que a determinam; do conhecimento completo dessa cabeça de cachimbo poder-se-ia deduzir o conhecimento de todo o resto do universo, em virtude dos princípios de causalidade e ação recíproca. Do mesmo modo, tirai pelo pensamento a cabeça de cachimbo do mundo sem mudar nada mais: continuais a pensá-la em seu lugar, pois do conhecimento do universo menos a cabeça de cachimbo é possível deduzir o conhecimento desta última. As duas relações são simétricas e recíprocas, e podeis portanto colocar em equilíbrio a cabeça de cachimbo com o resto do universo. Penetrai-vos bem desse pensamento, isso vos ajudará a pisar na patafísica. Conhecer x = conhecer (Tudo – x).
Lógica formal da patafísica. — A patafísica procede por sofismas patafísicos. O sofisma patafísico é uma proposição onde intervêm modos não conclusivos do silogismo, mas que se tornam conclusivos quando se mudam, de um modo que aliás se impõe ao espírito, as definições de certos termos; essa mudança acarretando imediatamente uma segunda mudança das mesmas definições, que torna novamente não conclusivos os modos do silogismo empregados, e assim indefinidamente. E o conhecimento patafísico não trata de outra coisa senão da própria lei dessa mudança. O raciocínio patafísico, em vez de progredir segundo as relações de extensão entre os termos, possui uma realidade atual e móvel na própria compreensão dos conceitos; ele percorre a dimensão do raciocínio que, para a lógica vulgar, se reduz a um ponto imóvel. A realidade do pensamento se move através de uma cadeia de absurdos, isso conforme ao grande princípio de que toda evidência se veste de absurdo como de sua única maneira de aparecer. Daí a aparência humorística do raciocínio patafísico, que à primeira vista parece grotesco, depois, olhando mais de perto, contém um sentido oculto, depois, em novo exame, decididamente grotesco, depois novamente verdadeiro mais profundamente, e assim por diante, a evidência e o ridículo da proposição crescendo e se reforçando sem fim.
Patafísica matemática. — As demonstrações matemáticas conduzidas segundo essa lógica se revelarão de uma riqueza extraordinária. Não quero como testemunho senão esse magnífico cálculo "da superfície de Deus", no final de Faustroll.
Patafísica da Natureza. — A Patafísica será uma zombaria da ciência, mais instrutiva que a ciência. Procedem a meu ver do espírito patafísico:
- A teoria da seleção natural ("esse animal é assim feito, porque, se não fosse assim feito, não poderia existir": esse tipo de demonstração põe com força o caráter irredutível da existência individual e, pela redução ao absurdo, procedimento propriamente patafísico, desenha o círculo vicioso da ciência ao mesmo tempo que lhe escapa. Em resumo: o irredutível é absurdo; reduzamos portanto ao absurdo para provar a evidência);
- As descobertas de Jagadish Chandra Bose sobre o sistema nervoso das plantas, que ele fez pela simples contemplação de alguns vegetais, inventando depois os aparelhos que permitiriam aos sábios do Ocidente controlar, se ao menos estivessem de boa-fé, suas descobertas;
- A descrição da água por "Faustroll menor que Faustroll" (Faustroll, II, 9), etc., etc.
A Patafísica nas artes industriais. — Sem falar das invenções inumeráveis do tipo botão de cinco furos, as múltiplas particularidades devidas ao puro capricho humano nos objetos fabricados são fontes inesgotáveis de discussões patafísicas. Assim como a patafísica como conhecimento é o inverso da física e constitui seu contrapé, do mesmo modo sem dúvida a patafísica reage poderosamente, como modo de atividade na produção, contra as tentativas de racionalização do trabalho. Todas as forças que presidem à escolha de tal ou qual ornamento que ninguém notará jamais em um porta-bagagens de vagão de trem, ou a tal outra particularidade de um objeto de uso qualquer se nada de racional o determina, todas essas forças que permanecem disseminadas na massa dos produtores de todas as espécies, do que não serão capazes um dia, coordenadas e tornadas conscientes? Tais considerações deixam entrever um futuro formidável à patafísica econômica e social.
Mais geralmente, pois só posso dar uma visão bem restrita dos campos abertos à devastação desse grande riso, o conteúdo da patafísica é o "irredutível"; ora, o irredutível só o é porque se supõe um esforço de redução, isto é, de síntese atual. O único esforço de síntese atual que posso conhecer imediatamente é minha consciência. A patafísica transporta portanto o conhecimento, de um entendimento abstrato e universal, a tal consciência atual, isto é, a tal potência determinada de síntese; ou a tal estágio da digestão do mundo pela consciência. O irredutível aparece assim finalmente como a marca de minha forma atual sobre o mundo. — A patafísica dará portanto, nos diversos domínios do conhecimento, da atividade, das artes, das sociedades humanas, a medida do atoleiro de cada um no pântano da existência individual. E não será apenas pelo prazer de medir! Pois sob essa luz os lombos vão se sacudir, e os espíritos, enviados de riso a soluço entre as faces paralelas dos sofismas, se refletirão indefinidamente e de repente todo o desespero estará sobre eles. Será preciso encontrar a saída.

