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Daumal (RDTT:25-30) – A Visão do Absurdo

domingo 20 de abril de 2025

(RDTT)

Descreverei sucessivamente a Evidência Absurda da intuição de si pela Revelação do Riso; a Evidência Absurda da percepção do mundo pela Patafísica; e a Evidência Absurda no comportamento do homem, como princípio da Revolta.

Poderei então propor a Visão do Absurdo como tipo da primeira experiência metafísica.

A REVELAÇÃO DO RISO

Haverá para cada homem a revelação do Riso, mas que não se busque nela a alegria. No ponto em que estou, as envolturas do mundo se viram como dedos de luva: o evidente torna-se o absurdo, a luz é um véu negro e um sol deslumbrante dorme no oposto dos meus olhos.

Haverá para cada um esta revelação de que toda forma é absurda assim que levada a sério. Ouço em todas as gargantas humanas falar uma mecânica vocal, montada desde a adolescência, ouço dizer, com a ressonância surda do focinho, e sob todos os discursos em voz alta ou baixa: "Eu sou um homem!" Que se dirija ao outro, a si mesmo, ou à surdez do espaço, subentendida está em seus discursos essa afirmação, da qual duvida tão pouco que nem mais pensa nela: "Eu sou um homem!" Toda sua energia se concentra na tarefa de sustentar o monumento, o Monumental Monumento da Dignidade humana, que justifica seus menores gestos, seus pensamentos mais secretos, os movimentos mais íntimos de seu coração: "é próprio de um homem, diz o Homem Humano, ser um Homem e agir, pensar, sentir assim como Eu o faço". Imensas forças, a cada instante, se despendem nele, trabalhando para convencê-lo sempre melhor de uma afirmação que posso bem pensar como totalmente arbitrária; a esse espetáculo, meu fôlego se quebra e me sacode da cabeça aos pés. "Eu sou um homem". Por que não dizer: "eu sou o senhor Fulano", ou: "eu sou comerciante", ou: "francês", ou: "pai de família", ou: "mamífero", ou: "filósofo", ou: "um animal racional"? Mas eles dizem! E tudo isso são colunas, capitéis, frontões, torrinhas, guaritas, cata-ventos e girândolas no Monumento Monumental de sua Dignidade, e tudo isso ornamenta e sustenta as Ações, os Pensamentos e os Sentimentos desses homens, sombras de homens convencidas de si mesmas até o tutano da morte de seus ossos apodrecidos de orgulho, ah! deixem-me rir!

Eis um que sobe na plataforma do ônibus. Nada mais o ocupa, e pensa-se bem que ele não põe em questão nem sua própria existência, nem a realidade, nem a dignidade da ação que realiza. Quer dizer que esse evento é o centro de seu ser, seu próprio ser; ou melhor, a forma de seu não-ser, do buraco que ele faz na realidade. Tenho certeza de que a maioria dos homens realiza suas ações favoritas ou habituais com a mesma seriedade e convicção. Aquele, nesse instante, sobe eternamente na plataforma do ônibus. Mas, claro, não tem esse pensamento, pois dorme. E, enquanto não despertar, por mais que possa fazer em aparência, cada um de seus simulacros de ações será sempre uma forma de não ser. Fazer Arte pela arte é tão bom quanto pegar o ônibus. Esse senhor tem por ideal a verdade: é como o outro pega o ônibus. Essa velha senhora caridosa acaba de depositar sua esmola diária no cofre dos pobres; está tão morta quanto os outros. Se convencionarmos significar pelo símbolo zero o não ser, todos esses sonâmbulos diferem entre si como as expressões: 0 x 3, 0 x 8, 0 x 17 etc. diferem entre si. Há infinitos modos de não ser.

"Eu sou homem." Dizem isso sem se espantar... E o Riso me tortura ainda ao espetáculo das ações humanas.

O que se leva absolutamente a sério, de que não se duvida de modo algum pode receber o nome de deus. Tudo pode ser levado a sério. Se assumo a atitude do senhor que não ri e assim dirijo os olhos para o infinito detalhe das formas, tudo é deus, cada ponto do espaço, cada instante da duração, cada momento de uma consciência é deus. E eis a multiplicidade absurda e absoluta.

Na origem, o caos foi iluminado por uma imensa gargalhada.

O particular é absurdo. Vi — em condições que precisarei daqui a pouco — figuras geométricas e movimentos inconcebíveis. Vi isso com uma evidência deslumbrante. Agora, posso ver toda coisa sob essa luz. No momento em que compreendo uma proposição matemática, ela me aparece divinamente arbitrária em sua clareza. Já o disse, o mundo se vira sob meus olhos, meus olhos se viram sob a noite do crânio, o absurdo é evidente.

Meu olhar revoluciona então em mim séculos de ferro. Existo, foi preciso que meus ancestrais vivessem, e isso ao preço dessa lógica que quereria, em um domínio inumano, buscar em seu próprio vazio razões de ser. Sou às vezes bom o bastante para lhas fornecer; mas meu riso a mata.

No entanto, não basta rir. A visão do arbitrário suscita a fúria do homem e a revolta é inevitável. Essa terrível hereditariedade de construtores de máquinas quer me fazer crer que o mundo existe assim, claramente, seriamente. Com um pouco de sinceridade, não vejo mais nada claro. Uma flor? Por que existe? O que isso significa? Por que algo existe? Ah! não, a idade dos "porquês" não passou! Quiseram também me fazer crer que existia uma multidão de consciências; que eu tinha consciência de mim enquanto você tinha consciência de você. Não, enquanto essa crença não lhes aparecer, ao menos por um instante, como a mais monstruosa absurdidade, não poderão dar um só passo em direção a si mesmos, serão sombras.

O particular é revoltante. Mas eu, que os vejo levar sua revolta a sério, posso rir ainda. Não há, pois, nada a fazer, se tudo é derrisório? Sim, deixar mesmo essa furiosa mas inevitável fúria, para retomá-la depois como uma força quebradora de ídolos; será ainda uma forma de rir, isto é, de negar, e na negação de tudo, se quebrarem algo, corações, esperanças, cérebros, palácios, estátuas, inteligências, governos, lembrem-se de que não era isso que buscavam (haveria ainda motivo para rir!), que as lágrimas, o sangue e os gritos são os efeitos necessários de uma corrida desesperada em uma pista sem fim, de um impulso que nega o objetivo.

Será preciso negar tudo, porque se verá o absurdo. O ato de negar se tornará então a única realidade, e o objeto negado o símbolo da negação. O espírito é ativo quando nega. A afirmação, quando não é simples consentimento, aceitação sem pensamento e pertencente às leis animais, cai facilmente no ridículo. "Quem é você?" — "Sou o senhor Jules, seu vizinho de andar." Se pensasse no sentido dessa resposta, o primeiro interlocutor só poderia explodir de rir. Creio que em geral não se pensam as afirmações. O que sou? Enumere todos os predicados positivos possíveis, responderei sempre: "não é isso".

Essa recusa, onde quer que se manifeste, é antes de tudo o grande Riso. É a maior aproximação concreta que posso dar desse ato preciso, que convido cada um a realizar. Usando sempre palavras como negação, mais exatas talvez em seus sentidos originais, temeria deixar entender essa operação como um simulacro abstrato do discurso, um vão esquema vocal. E, para tentar que você não recaia no sono de seu "saber" filosófico, direi pois, quando falo mesmo da dúvida metódica, sarcasmo ou zombaria metódica, e já quase não temo que você tome esse Riso por alegria.

Aqui estamos perto do mistério da separação, da negação, do Riso que disse ser originário, contemporâneo deste mundo existente.

O ato de negar separa, rejeita toda aparência no mundo das formas, na manifestação. O homem não pode perceber aquilo a que consente ser. Toda forma é de fato cognoscível de algum modo, logo objeto. Ora, um objeto é o que não sou eu. O mundo objetivo é pois o que é rejeitado no curso da marcha para si mesmo. Mas como a representação do objeto negado não exprime nada mais que o ato de negação em condições particulares, tudo o que "existe", sendo o renegado de si, se encontra ser o símbolo do progresso do espírito.

Cessar de dizer: "não sou meu corpo", é dormir; e desde então, não há mais representação do corpo.

É raro ler ou ouvir dizer sobre o sono outra coisa que estupidez, asneiras ou flatus vocis mais ou menos pretensiosos.

Aqui não quero emitir "opiniões pessoais". Gostaria de colocar — você, sim, você sempre — diante do que é, e persuadi-lo a dizer, simplesmente, o que se passa. Não cabe a mim descrever o que você vê, se olha pura e simplesmente; posso no máximo, talvez, provocá-lo a abrir os olhos.

Olhe, por exemplo, o lamentável espetáculo de um psicólogo em busca da consciência. Diz: "minha consciência", como se fosse uma coisa que pudesse possuir. Quem é esse "ele"? Quem é possuído? E quem possui, senão o consciente? A ciência dessas pessoas é vã a ponto de esgotar o riso. Ouçam-nos ainda falar do inconsciente. Apertem-nos, e crerão exprimir um pensamento, um pensamento claro mesmo, e uma verdade indiscutível ao pronunciar, sempre sem rir, esta frase: "no sono profundo, sou inconsciente". Perguntem-lhes agora o que a palavra "eu" significa em sua proposição. Ei-los boquiabertos.

A consciência não sendo nada de representável, mas apenas o ato das representações, o que se quer significar ao falar de várias consciências? Como distingui-las uma da outra? Pode-se dizer apenas que a consciência se apreende em formas variadas. Crio toda forma, evoco, antes, toda forma por negações sucessivas, e tomo consciência de mim em cada uma dessas negações. Tal é o único ponto de partida possível para uma busca de si. O absoluto para o qual tende só pode pois receber determinações negativas.

A reflexão é filha do escândalo. Escândalo, assim que abro os olhos; escândalo, essa consciência, una e múltipla, idêntica e cambiante; imediata, e mediada também, assim que penso no outro. O que conheço mais imediatamente, mais indiscutivelmente, essa evidência primeira aparece num deslumbramento de absurdidades.

Você não consentiu em recair no sono; provocado por esse escândalo, aceitou o desafio. Começou a entrever o ato essencial dessa evidência absurda da consciência: ato de renegação, abnegação de si, pelo qual o puro sujeito se conhece diante do que nega ser si mesmo.

A reflexão se inicia aqui, distinções se esboçam. Detenhamo-nos por agora, ainda nessa luz de escândalo, sobre algumas imagens esquemáticas do caminho a prosseguir:

Pelo mesmo ato se apreende o sujeito, puro de toda determinação, e por outro lado são evocadas as formas que o revestem, ele distinto delas, e ligado todavia a elas como o sentido de uma palavra a essa palavra. Absurda pois ela mesma essa separação; mas sem ela, nem consciência, nem representações; para responder a essa provocação nova, e que renascerá sem cessar, será preciso buscar reunir o que se separou, mas sem recair no sono primitivo.

Separar o enxofre e o mercúrio unidos pela natureza na pedra bruta, purificar um e outro e uni-los novamente, é toda a Grande Obra do alquimista. Enxofre, é fogo e macho, o que fecunda sem sofrer alteração, é a consciência idêntica iluminando o diverso; mercúrio, é água e fêmea, o que recebe toda forma, ela mesma Forma universal de tudo o que a consciência renega. A alquimia humana procede como a outra; no fundo, não difere dela.

Nesse ponto de partida, é a espera do segundo nascimento, aquele de que falam todas as velhas sabedorias. O homem vai se superar, se regenerar; será o que os hindus chamam dwidja, "nascido duas vezes". Que imediatamente separe a ponta extrema, deslumbrante de luz absoluta, da consciência, una e idêntica, e as vestes que ela toma emprestadas. Ora, é por esse só despir que as vestes se tornarão visíveis. É por isso que disse: é preciso separar imediatamente.

Mas é num deserto confusamente sonoro que cai a voz; respostas discutíveis se elevam: "Mas, ao menos, gostaríamos de saber como se deve fazer." Disse: imediatamente, sem nenhuma ferramenta, sem intermediário nem desvio, e sobretudo, oh! sobretudo, sem começar por raciocinar sobre a possibilidade do ato: encerrados no domínio do possível, não sairiam mais dele e logo recairiam no sono profundo.

Não verão suas próprias peles senão depois de cada um de seus suicídios. Ninguém pode morrer por vocês, ninguém pode lhes ensinar por palavras humanas como se deve fazer, nem o objetivo, nem o método, e pareço pois falar no vazio, e todavia os homens não podem dar uns aos outros sinais de vida, e por eles se ajudarem a não dormir?

Cada homem fará pois espontaneamente a prova de sua transformação; como a crisálida, se primeiro quisesse pensar: "eu sou"... mas de repente no ímpeto encontrado por um milagre previsto eternamente, é a borboleta que se pensa numa envoltura nova, roupa ainda opaca mas mais frágil, e o pensamento se completa nela: "eu sou, eu sou..., mas não era então eu?" Quando desaparecer em fumaça e cinzas, na chama de uma vela, outra surpresa. Poderia suspeitar disso? E tal é todavia seu destino necessário.

Veem que não canto o que essa multidão de fantasmas chama "a vida", mas sua dissolução. Ah! ainda não terminaram de morrer da verdadeira vida!

Não há meio de dar o primeiro passo, é preciso dá-lo. Repetirei o famoso "Credo quia absurdum"? Mas só se pode crer no absurdo. Avanço na noite, a noite verdadeira sem esperança de sol, pois o objetivo infinitamente longe está no coração da noite; avanço e meu choque contra a noite ilumina o caminho percorrido, onde a razão germina e se reveste de uma luz emprestada. Todo ato em si mesmo, no que tem de mais real, de mais consciente, é dito absurdo na linguagem da lógica; mas em si, escapa a sua realeza de fantasma. É por isso que, se creio no que sei evidentemente, só creio no absurdo.