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Daumal (RDTT:25-30) – Banalidades

domingo 20 de abril de 2025

(RDTT)

Nenhum conhecimento — enquanto saber em potência — tem valor senão em relação a um ato de consciência possível. No domínio da experiência vulgar, a noção que tenho de uma pera, da Inglaterra, só me fornece antecipações do que posso experimentar ao ver, ao pegar a pera, ao cheirá-la, prová-la, ou ao viajar pela Inglaterra. Um objeto é a lei segundo a qual certas sensações podem se apresentar a mim, suceder-se e transformar-se em mim.

Essas banalidades, o espírito em busca do real sempre as reencontra no início. O momento do pensamento que elas expressam — o idealismo empírico dos filósofos — é inevitável: Berkeley e os outros param aqui, satisfeitos, e adormecem [1], no sentido em que falei há pouco da Metafísica. De fato, mantenhamo-nos sempre firmes a este princípio: o conhecimento de uma realidade como tal só pode ser um conhecimento em ato, e um ato imediato; e o único ato imediatamente dado é o de tomar consciência. A lei sendo uma antecipação geral de relações entre fenômenos, saber passar daí à apreensão de uma realidade universal é, portanto, estabelecer as regras e condições segundo as quais o pensamento do sábio pode se tornar atual; o físico que desperta para sua ciência torna-se metafísico.

A ciência suprema, que chamo de Metafísica, exprimirá, pois, a possibilidade do despertar perpétuo da consciência. E, como o primeiro despertar me dá o conjunto de todas as minhas representações atuais, a Metafísica deve me dar domínio sobre todo o conteúdo concreto de minha consciência, com o qual devo continuamente confrontá-la.

A Metafísica, tomada em si mesma, sozinha e como válida por si mesma, torna-se o mais sutil desvio pelo qual o sono nos engana; pois, se ela exprime a possibilidade de uma consciência sempre mais elevada, só exprime essa possibilidade; o possível como tal não é nada, e contentar-se com um possível é dormir. Assim, na medida em que a Metafísica é cultivada por si mesma, fora de todo critério concreto, pode dar margem a todas as críticas.

De fato, se tomarmos em si mesma uma teoria científica, seja qual for, ela sempre parecerá tão discutível, tão revogável e mesmo tão arbitrária quanto qualquer doutrina metafísica: bastaria, por exemplo, duvidar dos postulados necessários à ciência. A ligação lógica das partes só funda uma possibilidade de verdade. Se há acordo, em larga medida, sobre as teorias científicas, é graças às verificações experimentais. As doutrinas metafísicas não são mais nem menos discutíveis, em si mesmas, que as teorias das ciências; bastaria que houvesse para elas verificações experimentais possíveis para que o acordo dos espíritos pudesse se fazer sobre uma verdade metafísica. Ora, a Metafísica, como as ciências, parte do concreto; se depois se constitui num conjunto de proposições abstratas e gerais, é porque só exprime um saber virtual; e, ao fazê-lo, não procede de modo diferente da ciência. Sobre os mesmos dados, que são todas as modificações sofridas pela consciência, constroem-se as teorias científicas e os sistemas metafísicos; não é, portanto, nada evidente a priori que uma experiência metafísica seja impossível.

Se os pontos de partida, a matéria-prima da ciência e da metafísica são os mesmos, é verdade que a primeira parte de um aspecto particular, artificialmente isolado, do concreto; enquanto a segunda parte da totalidade concreta dada na consciência. A ciência procede das representações dadas sem pôr em questão o ato de consciência que as faz aparecer; ela não exige, portanto, que o homem desperte. A Metafísica, tal como a apresentei, tem como fato inicial o primeiro ato de despertar, a tomada de consciência. Toda experiência metafísica consistirá, pois, num ato de consciência, isto é, num esforço que repugna ao mais alto grau à preguiça humana. E é por isso que se prefere, em geral, considerar tal experiência como impossível.

A especulação metafísica, ao começar a viver por si mesma, esqueceu sua origem, a experiência imediata da consciência; graças a esse esquecimento, o metafísico pode dispensar-se de recorrer a essa experiência, isto é, de despertar. E, com isso, a metafísica é privada de todo critério de verdade. Ela tende a formar sistemas logicamente ordenados de relações entre noções abstratas cuja origem não é mais conhecida. Tais sistemas são sempre, necessariamente, discutíveis e refutáveis. O ponto de partida de uma especulação desse tipo sendo uma noção abstrata, sempre se poderá negar que seja legítimo tomá-la como origem, e demonstrar que não é uma noção primeira: seja o Ser, o Uno, Deus, a Substância, ou qualquer outro princípio dado como absoluto; não se vê que a forma ideal de um sistema metafísico é o círculo vicioso. Pouco importa o ponto de partida. Todo o conhecimento humano, tomado como válido por e para si mesmo, é um gigantesco círculo vicioso; desde que esteja fechado, pode-se descrevê-lo partindo de qualquer ponto que se queira.

Podemos esperar atingir o mais alto grau de certeza permitido ao espírito humano se, em vez de buscar construir uma doutrina metafísica, de estabelecer relações discursivas entre noções abstratas, tomarmos como objeto de nossa ciência o fato metafísico como tal. Nenhuma crítica, nenhuma refutação impediu o homem, jamais, de fazer metafísica. Há uma necessidade, uma função metafísica do pensamento, da qual a ciência é possível. Se, deixando de tomar as noções metafísicas como dadas, tentarmos estabelecer seus significados e seus valores a partir de suas raízes experimentais, um acordo poderá se fazer, sobre a metafísica assim concebida, entre todos os homens que quiserem permanecer despertos.

 


[1À margem: "não]. Mas não soltes tão cedo esse fio de Ariadne tão tênue, tua própria consciência: deves agora considerar como real o próprio ato que realiza um conhecimento virtual; ao buscá-lo, ultrapassarás esse momento primitivo de idealismo, que, recolocado em seu lugar no desenvolvimento dialético [[À margem: "dialético!] do pensamento, permanece verdadeiro.

O próprio conhecimento científico constitui uma antecipação geral de conhecimentos em ato de objetos particulares. O físico, propriamente falando, não conhece a lei da queda dos corpos: ele só sabe que pode conhecer a queda de tal corpo particular segundo uma lei geral; digo "o físico", enquanto físico; pois outro poderá tomar a própria lei como objeto de ciência; e se o próprio físico chega a conhecê-la não mais apenas como uma relação geral, mas como expressão de uma realidade universal, nesse momento ele é mais que um físico. É um metafísico — e não apenas por "ultrapassar o campo da física", mas plenamente também, desde que sua ciência da ciência seja real [[Insisto, com essa ressalva, em destacar a raridade do fato.