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Couliano (MDO) – Mitos Dualistas do Ocidente
terça-feira 27 de maio de 2025
ICMDO
Atribuem-se por vezes aos "dualismos do Ocidente" alguns traços comuns: o anticosmismo, ou seja, a convicção de que este mundo é mau; o antissomatismo, a crença de que o corpo é mau; o encratismo, uma forma de ascetismo que chega à rejeição do matrimônio e da procriação. Na maioria dos casos, os dualistas parecem ser docetas, isto é, além das inúmeras diferenças doutrinais, parecem não acreditar na realidade da paixão e morte de Jesus Cristo na cruz. Por fim, alguns dualistas praticam o vegetarianismo, absoluto ou parcial. Em relação à moral romana, em primeiro lugar, e depois em relação à moral judaica e à cristã, essas correntes foram definidas como "antinomistas", porque se opõem de várias maneiras à ordem (nomos) comum.
Por vezes tentou-se minimizar a distância que separa os dualistas da Igreja, e recentemente Simone Pétrement (Le Dieu séparé) tentou demonstrar que o gnosticismo é apenas uma seita cristã de orientação radical e que compartilha com o cristianismo primitivo uma atitude de forte oposição ao mundo. Mas já na época dos primeiros apologistas, a Igreja distanciou-se claramente de Marcião e dos gnósticos: combateu seu anticosmismo, indignou-se com seu encratismo (defendendo, ao contrário, o matrimônio), condenou as doutrinas dos docetas e afastou de seu seio aqueles que suspeitava de dualismo, como Orígenes e seus discípulos.
Na realidade, cristãos e dualistas servem-se dos mesmos escritos, ainda que os submetam a interpretações diferentes. Mas os gnósticos utilizam também alguns mitos que nada têm a ver com o cristianismo: mitos que não derivam nem do judaísmo nem das religiões do Irã, mas simplesmente do dualismo. Pois o dualismo, enquanto categoria histórico-religiosa, possui seus próprios mitos, que são apenas "dualísticos", assim como o mito do dilúvio, antes de ser hebraico, grego ou maia, é antes de tudo o mito do dilúvio.
Descobriremos que a especificidade do dualismo consiste em parte no fato de que ele utiliza dois mitos, dependentes um do outro, e que a perspectiva dualística que daí resulta é responsável por um sistema particular de interpretação que se aplica a um terceiro mito, o do Gênesis bíblico, invertendo seus dados. Essa operação revela-se bastante complexa, devido à liberdade de que gozavam os intérpretes gnósticos de explorar toda a gama de possibilidades lógicas contidas em cada sequência dos três mitos: resulta daí um número muito elevado de combinações e correlações.
Logo chegaremos a estabelecer que os traços distintivos geralmente atribuídos ao gnosticismo — anticosmismo, antissomatismo etc. — são o resultado de um processo de indução incorreto, que se aplica à maioria relativa dos textos sem levar em conta que outros textos, que também devem ser qualificados como gnósticos, não apresentam de modo algum esses traços. Na realidade, o espectro de tolerância do gnosticismo é muito amplo: vai do anticosmismo ao procosmismo (atitude favorável ao mundo); do ascetismo encratita ao libertinismo aparentemente mais desenfreado; da doutrina do "fantasiasma", segundo a qual Jesus Cristo não assumiu um corpo de carne, até o reconhecimento da existência desse corpo e de seu sofrimento na cruz; de uma atitude antijudaica ao respeito pelo Deus do Antigo Testamento; da crença na metensomatose (reencarnação da alma em novos corpos) até sua rejeição e a aceitação, em vez disso, da doutrina da Igreja (novas almas para novos corpos).
No contexto cultural de sua época, o gnosticismo aparece isolado. Ele só pode ser considerado um fenômeno relativamente unitário com base em sua atitude fundamental, que é revolucionária em relação às doutrinas e religiões mais importantes da época: o platonismo, o judaísmo, o cristianismo. Ao contrário destes, o gnosticismo nega a bondade do Criador, a "inteligência ecossistêmica" que dá ordem ao universo visível. O mundo — mesmo quando não é objeto de uma avaliação claramente negativa — é sempre o resultado de um erro, e seu Demiurgo é em todo caso ignorante no momento da criação, ainda que posteriormente possa receber a iluminação. As doutrinas religiosas da época conhecem três variantes do "princípio antrópico": este mundo foi criado para este homem, e este homem foi criado para este mundo (variante bíblica); este mundo foi criado como este homem, e este homem foi criado como este mundo (variante platônica); e, finalmente, uma combinação das duas soluções anteriores (judaísmo platonizante e cristianismo). O gnosticismo revela-se mais uma vez revolucionário, pois nega o "princípio antrópico" e opõe-lhe uma concepção articulada em duas proposições: o homem foi criado contra o mundo; o homem é superior a seus criadores. Por isso, contrariamente ao que geralmente se crê, o gnosticismo não é de modo algum pessimista em antropologia, mas, ao contrário, é de um otimismo sem igual, não apenas no mundo antigo, mas provavelmente em toda a história das ideias do Ocidente.
Por fim, como defensor intransigente do individualismo e do livre arbítrio, contra todos os obstáculos, o gnosticismo trava uma forte polêmica contra a astrologia. Só por convenção podemos falar de uma "religião gnóstica": na intenção de seus produtores e usuários, os mitos gnósticos possuem um conteúdo científico, ainda que pareçam à primeira vista ingênuos ou naturalísticos.
O objeto deste estudo é a análise comparada dos mitos dualísticos utilizados pelos "dualismos do Ocidente". O caso do gnosticismo é particularmente complexo, pois ele combina três mitos, cada um dos quais possui por sua vez numerosas sequências; muito mais simples é o mecanismo de produção de todas as outras correntes, inclusive o maniqueísmo. Como o gnosticismo, também o maniqueísmo não é simplesmente uma interpretação dualística do Gênesis e do Novo Testamento. Ele tem seu próprio mito, que é necessário reconstruir a partir de inúmeras fontes (Capítulo VII). Mas como o maniqueísmo é uma religião com um fundador e uma estrutura hierárquica capaz de assegurar a transmissão correta da doutrina, as variantes do mito maniqueu são relativamente poucas em comparação com os sistemas gnósticos, aos quais está estreitamente aparentado.
Os mitos gnósticos, seguindo uma simples "regra de produção", desenvolvem em número muito elevado todas as possibilidades lógicas contidas em suas sequências, combinando-as quase sempre de maneira original. Dir-se-ia que o sistema, uma vez posto em movimento, tem a tendência de esgotar todas as suas potencialidades. Já o maniqueísmo parte de uma hipótese que era apenas marginal no gnosticismo precedente e explora a fundo todas as suas consequências.
Ainda mais simples é a situação de todos os outros dualismos do Ocidente. Os mitos originários ocupam neles uma posição secundária, e o "princípio de produção" continua a aplicar-se constantemente aos escritos do Antigo Testamento (em particular ao Livro do Gênesis) e do Novo Testamento. A partir de Marcião, que é o primeiro a adotar essa atitude — o que o distingue nitidamente dos gnósticos -, os "dualismos do Ocidente" submetem a Bíblia a uma interpretação dualística que parece utilizar todas as possibilidades do sistema.
Mas o sistema de produção continua a funcionar por séculos em outras correntes de pensamento que serão apenas mencionadas neste estudo, pois não pertencem propriamente à história do Ocidente. No século XVII, os caminhos do Ocidente e os do dualismo cruzam-se novamente. Por vias transversas, a gnose chega a Goethe Goethe Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) e depois a Hegel. Posteriormente, as derivações serão pouco importantes, pois o sistema se põe novamente em funcionamento e desenvolve novas soluções, obtidas por uma simples inversão dos sinais na regra de produção. Os românticos são criadores de mitos aparentemente gnósticos e ao mesmo tempo intérpretes marcionitas da Bíblia. E, finalmente, em tempos recentes, o debate sobre a gnose foi relançado no interior das ciências políticas e, mais ainda, no interior da filosofia das ciências, em particular da biologia. No último capítulo, lançaremos um olhar sobre esses desenvolvimentos tardios do sistema, com o projeto de retornar a eles em um estudo mais amplo.
Como, aparentemente, nossa descrição do sistema não levará em conta seus diferentes usuários ao longo de um período de dois mil anos, talvez seja necessário concluir que, por trás desse tipo de análise, esconde-se a convicção de que "o sistema mesmo pensa o homem"? Na realidade, como diremos em outro lugar desta obra, o homem e o sistema de produção mítica "pensam a si mesmos" e às vezes "repensam um ao outro". As inúmeras possibilidades oferecidas pelo mecanismo de reprodução dos mitos e da interpretação dualística nem sempre são casuais: em alguns casos, provêm de uma forte interação ideológica com outros grupos ou no interior do mesmo grupo dualístico. Em suma, os "dualismos do Ocidente" têm sua própria história social. Ela, porém, não constitui o objeto desta pesquisa: caberá a outros a tarefa de escrevê-la.

