A inação consola de tudo. Não agir dá-nos tudo. Imaginar é tudo, desde que não tenda para agir. Ninguém pode ser rei do mundo senão em sonho. E cada um de nós, se deveras se conhece, quer ser rei do mundo.
Não ser, pensando, é o trono. Não querer, desejando, é a coroa. Temos o que abdicamos, porque o conservamos sonhado, intacto, eternamente à luz do sol que não há, ou da lua que não pode haver. (Fernando Pessoa, O Livro do Desassossego, 164)
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Ditados
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Pessoa (LD:164) – inação consola tudo
23 de julho de 2024, por Murilo Cardoso de Castro -
Pessoa (LD:163) – falta de imaginação
23 de julho de 2024, por Murilo Cardoso de CastroA experiência direta é o subterfúgio, ou o esconderijo, daqueles que são desprovidos de imaginação. Lendo os riscos que correu o caçador de tigres tenho quanto de riscos valeu a pena ter, salvo o do mesmo risco, que tanto não valeu a pena ter, que passou.
Os homens de ação são os escravos involuntários dos homens de entendimento. As coisas não valem senão na interpretação delas. Uns, pois, criam coisas para que os outros, transmudando-as em significação, as tornem vidas. Narrar é criar, (…) -
Pessoa (LD:301) – alma - sensação
23 de julho de 2024, por Murilo Cardoso de CastroA única maneira de teres sensações novas é construíres-te uma alma nova. Baldado esforço o teu se queres sentir outras coisas sem sentires de outra maneira, e sentires de outra maneira sem mudares de alma. Porque as coisas são como nós as sentimos — há quanto tempo sabes tu isto sem o saberes? — e o único modo de haver coisas novas, de sentir coisas novas é haver novidade no senti-las.
Muda de alma. Como? Descobre-o tu.
Desde que nascemos até que morremos mudamos de alma lentamente, como (…) -
Pessoa (LD:94/51) – Viver é ser outro
23 de julho de 2024, por Murilo Cardoso de CastroViver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir — é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida.
Apagar tudo do quadro de um dia para o outro, ser novo com cada nova madrugada, numa revirgindade perpétua da emoção — isto, e só isto, vale a pena ser ou ter, para ser ou ter o que imperfeitamente somos.
Esta madrugada é a primeira do mundo. Nunca esta cor rosa (…) -
Fernando Pessoa: excesso de civilização dos incivilizáveis
23 de julho de 2024, por Murilo Cardoso de Castro– Que pensa da nossa crise? Dos seus aspectos – político, moral e intelectual?
– A nossa crise provém, essencialmente, do excesso de civilização dos incivilizáveis.
Esta frase, como todas que envolvem uma contradição, não envolve contradição nenhuma. Eu explico. -
Ricardo Reis: poesia é arte
23 de julho de 2024, por Murilo Cardoso de CastroQuando há alguma coisa de belo a dizer em vida, esculpe-se; quando há alguma coisa de belo a dizer em alma, faz-se versos. A prosa é para a correspondência – quer a correspondência particular, quer a correspondência geral, chamada literatura. A poesia não é literatura: é Arte.
– Pessoa por Conhecer – Textos para um Novo Mapa. Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990, p. 410. -
Álvaro de Campos: Viver é desencontrar-se consigo mesmo (17-6-1929)
23 de julho de 2024, por Murilo Cardoso de CastroUsas um vestido Que é uma lembrança Para o meu coração. Usou-o outrora Alguém que me ficou Lembrada sem vista. Tudo na vida Se faz por recordações. Ama-se por memória. Certa mulher faz-nos ternura Por um gesto que lembra a nossa mãe. Certa rapariga faz-nos alegria Por falar como a nossa irmã. Certa criança arranca-nos da desatenção Porque amamos uma mulher parecida com ela Quando éramos jovens e não lhe falávamos. Tudo é assim, mais ou menos, O coração anda aos trambulhões. Viver é (…)
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Pessoa (LD:43) – a distância entre mim e o meu fato
23 de julho de 2024, por Murilo Cardoso de CastroDe repente, estou só no mundo. Vejo tudo isto do alto de um telhado espiritual. Estou só no mundo. Ver é estar distante. Ver claro é parar. Analisar é ser estrangeiro. Toda a gente passa sem roçar por mim. Tenho só ar à minha volta. Sinto-me tão isolado que sinto a distância entre mim e o meu fato. Sou uma criança, com uma palmatória mal acesa, que atravessa, de camisa de noite, uma grande casa deserta. Vivem sombras que me cercam só sombras, filhas dos móveis hirtos e da luz que me (…)
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Pessoa (LD:118/326) – sonho a vida real
23 de julho de 2024, por Murilo Cardoso de CastroDe resto eu não sonho, eu não vivo. Sonho a vida real. Todas as naus são naus de sonho, logo que esteja em nós o poder de as sonhar. O que mata o sonhador é não viver quando sonha; o que fere o agente é não sonhar quando vive. Eu fundi numa cor una de felicidade a beleza do sonho e a realidade da vida. Por mais que possuamos um sonho nunca se possui um sonho tanto como se possui o lenço que se tem na algibeira, ou, se quisermos, como se possui a nossa própria carne. Por mais que se viva a (…)
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Alberto Caeiro (23): Alma
23 de julho de 2024, por Murilo Cardoso de CastroSeja o que for que esteja no centro do Mundo, Deu-me o mundo exterior por exemplo de Realidade, E quando digo «isto é real», mesmo de um sentimento, Vejo-o sem querer em um espaço qualquer exterior, Vejo-o com uma visão qualquer fora e alheio a mim. Ser real quer dizer não estar dentro de mim. Da minha pessoa de dentro não tenho noção de realidade. Sei que o Mundo existe, mas não sei se existo. Estou mais certo da existência da minha casa branca Do que da existência interior do dono da casa (…)