(Lispector1973)
Atrás do pensamento não há palavras: é-se. Minha pintura não tem palavras: fica atrás do pensamento. Nesse terreno do é-se sou puro êxtase cristalino. É-se. Sou-me. Tu te és. [...]
Ouve-me, ouve meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. [...] Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso. Lê a energia que está no meu silêncio. Ah tenho medo do Deus e do seu silêncio.
Sou-me.
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Ditados
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Lispector – É-se
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro -
Lispector – Sou o és-tu
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro(Lispector1973)
A harmonia secreta da desarmonia: quero não o que está feito mas o que tortuosamente ainda se faz. Minhas desequilibradas palavras são o luxo de meu silêncio. Escrevo por acrobáticas e aéreas piruetas – escrevo por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio. [...]
E se eu digo “eu” é porque não ouso dizer “tu”, ou “nós” ou “uma pessoa”. Sou obrigada à humildade de me personalizar me apequenando mas sou o és-tu. [...]
Sim, (…) -
Lispector – Sou o quê
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro(Lispector1973)
Mas sou o quê? a resposta é apenas: sou o quê. Embora às vezes grite: não quero mais ser eu!! mas eu me grudo a mim e inextrincavelmente forma-se uma tessitura de vida.
Quem me acompanha que me acompanhe: a caminhada é longa, é sofrida mas é vivida. -
Lispector – A palavra mais importante da língua: É
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro(Lispector1973)
Entende-me: escrevo-te uma onomatopeia, convulsão de linguagem. Transmito-te não uma história mas apenas palavras que vivem do som. [...]
Tudo o que te escrevo é tenso. Uso palavras soltas que são em si mesmas um dardo livre: “selvagens, bárbaros, nobres decadentes e marginais”. Isto te diz alguma coisa? A mim fala.
Mas a palavra mais importante da língua tem uma única letra: é. É. -
Lispector – Eu é
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro(Lispector1973)
Estou de olhos fechados. Sou pura inconsciência. Já cortaram o cordão umbilical: estou solta no universo. Não penso mas sinto o it. Com olhos fechados procuro cegamente o peito: quero leite grosso. Ninguém me ensinou a querer. Mas eu já quero. Fico deitada com olhos abertos a ver o teto. Por dentro é a obscuridade. Um eu que pulsa já se forma. Há girassóis. Há trigo alto. Eu é. -
Lispector – O instante é de um escuro total
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro(Lispector1973)
Espere: está ficando escuro. Mais. Mais escuro. O instante é de um escuro total. Continua.
Espere: começo a vislumbrar uma coisa. Uma forma luminescente. Barriga leitosa com umbigo? Espere – pois sairei desta escuridão onde tenho medo, escuridão e êxtase. [...]
Agora as trevas vão se dissipando.
Nasci.
Pausa. Maravilhoso escândalo: nasço. -
Lispector – Quero captar o meu é
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro(Lispector1973)
Só no ato do amor – pela límpida abstração de estrela do que se sente – capta-se a incógnita do instante que é duramente cristalina e vibrante no ar e a vida é esse instante incontável, maior que o acontecimento em si. [...] E no instante está o é dele mesmo. Quero captar o meu é. E canto aleluia para o ar assim como faz o pássaro. E meu canto é de ninguém. Mas não há paixão sofrida em dor e amor a que não se siga uma aleluia. -
Lispector – Instante-já
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro(Lispector1973)
Eu te digo: estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo instante-já que também não é mais. Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa. [...] Quero possuir os átomos do tempo. E quero capturar o presente que pela sua própria natureza me é interdito: o presente me foge, a atualidade me escapa, a atualidade sou eu sempre no já. -
Lispector – Simetria
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro(Lispector1973)
Perdi o medo da simetria, depois da desordem da inspiração. É preciso experiência ou coragem para revalorizar a simetria, quando facilmente se pode imitar o falso assimétrico, uma das originalidades mais comuns. Minha simetria nos portais da igreja é concentrada, conseguida, mas não dogmática. É perpassada pela esperança de que duas assimetrias encontrar-se-ão na simetria. Esta como solução terceira: a síntese. -
Lispector – O próximo instante é feito por mim?
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro(Lispector1973)
É com uma alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica. Porque ninguém me prende mais. Continuo com capacidade de raciocínio – já estudei matemática que é a loucura do raciocínio – mas agora quero o plasma – quero me alimentar diretamente da placenta. Tenho um pouco de medo: medo ainda de me entregar pois o próximo instante é o desconhecido. O próximo (…)