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Eudoro de Sousa – Filosofia Grega e Consciência Religiosa

sexta-feira 19 de julho de 2024

Que a filosofia grega nos pode aparecer como forma sui generis da consciência religiosa, inclusive, como pretendendo substituí-la, é o que se nos mostra em vários momentos da sua história, em especial, no princípio e no fim, se é que, a propósito de «filosofia grega», ainda se pode falar de um fim ou de um término. Mas a lição mais instrutiva que desse fenômeno nos é dado extrair, é que houve outrora uma religião, i. é, certa consciência da presença dos deuses no mundo, ou além dele, que nasceu fatalmente destinada a vir a ser aquilo que nós denominamos «filosofia». Nada mais natural do que suspeitar que a mitologia também estava comprometida nesse destino. Não sendo, ela mesma, uma filosofia (porque se o fosse, jamais teria nascido a filosofia que se nos tornou familiar), já trazia em si, desde as origens, uma característica que a distingue de todas as demais, designadamente, das mitologias dos povos que nunca filosofaram (à maneira tradicional, entenda-se!). Com efeito, traço notabilíssimo da mitologia dos Gregos é a possibilidade manifesta e profusamente manifestada pela história da sua cultura, de transmutar-se, toda ela, em poesia e história profanas, e isto, desde épocas muito remotas. Noutros termos: característica da mitologia grega, traço que a distingue de todas as outras e, em especial, das mitologias de todos os povos chamados «primitivos» ou «atrasados» e, em parte, das grandes civilizações próximo-orientais, é o gradativo ou brusco processo de separação da imagem mítica e do acto ritual. É um processo diabólico, no étimo sentido da palavra, mediante o qual nasce uma literatura que, em todos os gêneros, por muito tempo ainda será «mitográfica» ou «mitológica», e uma parte da religião, que vai morrendo a golpes de rotina. Por isso, subsiste inteira a veracidade de Schelling Schelling Friedrich Wilhelm Joseph (von) Schelling (1775-1854) , quando assevera que a poesia grega nasceu com a mitologia, dando, assim a mais funda razão a Heródoto, o qual afirmara que Homero e Hesíodo outorgaram a «teogonia» aos Helenos, i. é, a história (poética) dos deuses, ou, numa palavra, a mitologia. Mas note-se bem: isto só o podemos asseverar dos Gregos; só da mitologia grega é que está certo o afirmar-se certa co-naturalidade ou co-essencialidade entre mito e poesia, já que a maioria dos poetas gregos nunca cessaram de cantar os seus deuses. Aliás, se assim não fosse, que seria da poesia grega? (Eudoro de Sousa Eudoro de Sousa Eudoro de Sousa (1911-1987) , "Sempre o Mesmo acerca do Mesmo")