(Lispector1973)
Entende-me: escrevo-te uma onomatopeia, convulsão de linguagem. Transmito-te não uma história mas apenas palavras que vivem do som. [...]
Tudo o que te escrevo é tenso. Uso palavras soltas que são em si mesmas um dardo livre: “selvagens, bárbaros, nobres decadentes e marginais”. Isto te diz alguma coisa? A mim fala.
Mas a palavra mais importante da língua tem uma única letra: é. É.
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Lispector
Lispector, Clarice (1920-1977)
Matérias
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Lispector – A palavra mais importante da língua: É
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro -
Lispector – Domínio de agora
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro(Lispector1973)
Tudo acaba mas o que te escrevo continua. O que é bom, muito bom. O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas.
Aquilo que ainda vai ser depois – é agora. Agora é o domínio de agora. E enquanto dura a improvisação eu nasço. [...]
Fui ao encontro de mim. Calma, alegre, plenitude sem fulminação. Simplesmente eu sou eu. E você é você. É vasto, vai durar.
O que te escrevo é um “isto”. Não vai parar: continua. -
Lispector – Sensação atrás do pensamento
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro(Lispector1973)
Eis que de repente vejo que não sei nada. O gume de minha faca está ficando cego? Parece-me que o mais provável é que não entendo porque o que vejo agora é difícil: estou entrando sorrateiramente em contato com uma realidade nova para mim e que ainda não tem pensamentos correspondentes, e muito menos ainda alguma palavra que a signifique. É mais uma sensação atrás do pensamento. -
Lispector – Vibração íntima
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro(Lispector1973)
Tenho que interromper para dizer que “X” é o que existe dentro de mim. “X” – eu me banho nesse isto. É impronunciável. Tudo que não sei está em “X”. A morte? a morte é “X”. Mas muita vida também pois a vida é impronunciável. “X” que estremece em mim e tenho medo de seu diapasão: vibra como uma corda de violoncelo, corda tensa que quando é tangida emite eletricidade pura, sem melodia. O instante impronunciável. Uma sensibilidade outra é que se apercebe de “X” [...]. Há (…) -
Lispector – Silêncio
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro(Lispector1973)
Não são precisos muitos para se ter mina faiscante e sonambúlica: bastam dois, e um reflete o reflexo do que o outro refletiu, num tremor que se transmite em mensagem telegráfica intensa e muda, insistente, liquidez em que se pode mergulhar a mão fascinada e retirá-la escorrendo de reflexos dessa dura água que é o espelho. Como a bola de cristal dos videntes, ele me arrasta para o vazio que para o vidente é o seu campo de meditação, e em mim o campo de silêncios e (…) -
Lispector – Mistério do espelho
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro(Lispector1973)
Mas agora estou interessada pelo mistério do espelho. Procuro um meio de pintá-lo ou falar dele com a palavra. Mas o que é um espelho? Não existe a palavra espelho, só existem espelhos, pois um único é uma infinidade de espelhos. Em algum lugar do mundo deve haver uma mina de espelhos? Espelho não é coisa criada e sim nascida. -
Lispector – Força do que Existe
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro(Lispector1973)
Ah Força do que Existe, ajudai-me, vós que chamam de o Deus. Por que é que o horrível terrível me chama? que quero com o horror meu? porque meu demônio é assassino e não teme o castigo: mas o crime é mais importante que o castigo. Eu me vivifico toda no meu instinto feliz de destruição. -
Lispector – Meditação sobre o nada
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro(Lispector1973)
Eu costumava pingar limão em cima da ostra viva e via com horror e fascínio ela contorcer-se toda. E eu estava comendo o it vivo. O it vivo é o Deus. [...] Vou parar um pouco porque sei que o Deus é o mundo. É o que existe. Eu rezo para o que existe? Não é perigoso aproximar-se do que existe. A prece profunda é uma meditação sobre o nada. -
Lispector – É-se
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro(Lispector1973)
Atrás do pensamento não há palavras: é-se. Minha pintura não tem palavras: fica atrás do pensamento. Nesse terreno do é-se sou puro êxtase cristalino. É-se. Sou-me. Tu te és. [...]
Ouve-me, ouve meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. [...] Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso. Lê a energia que está no meu silêncio. Ah tenho medo do Deus e do seu silêncio.
Sou-me. -
Lispector – Sou o és-tu
28 de março, por Murilo Cardoso de Castro(Lispector1973)
A harmonia secreta da desarmonia: quero não o que está feito mas o que tortuosamente ainda se faz. Minhas desequilibradas palavras são o luxo de meu silêncio. Escrevo por acrobáticas e aéreas piruetas – escrevo por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio. [...]
E se eu digo “eu” é porque não ouso dizer “tu”, ou “nós” ou “uma pessoa”. Sou obrigada à humildade de me personalizar me apequenando mas sou o és-tu. [...]
Sim, (…)