Página inicial > Ditados > René Daumal – A intuição metafísica na história
Tu t’es toujours trompé
René Daumal – A intuição metafísica na história
Introduction
segunda-feira 30 de junho de 2025
Eu falei de uma função metafísica do pensamento humano, de uma necessidade inerente à condição humana do espírito. Devo, portanto, considerar provável, até mesmo necessário, que se possa encontrar na história da reflexão do homem ao menos vestígios de tentativas para desenvolver uma Metafísica como ciência absoluta.
Mas a história do espírito não é dirigida unicamente pela tendência a pensar, a despertar. Se assim fosse, reconheceríamos, ao longo dos séculos, um progresso contínuo e indiscutível da consciência; mesmo se não fôssemos forçados a admitir que, neste caso, a reflexão já teria atingido seu termo perfeito. Se constatamos sequências alternadas de progresso e de regressões, é porque forças antagônicas se opõem ao esforço de tomar consciência. Cada vez que um impulso em direção ao ser se manifesta, tendências a não ser aparecem imediatamente. Mais particularmente, toda tentativa do homem para fazer pensar tem como correlativo imediato um sistema organizado de meios para não pensar. É a preguiça essencial ao homem, é a força de inércia do sono que assim se constitui em instrumentos que substituem, imitam e matam o pensamento, à menor veleidade de despertar.
Que um homem desperte e se erga, e proclame como único valor real o ato de tomar consciência, suas próprias palavras serão retomadas por mil bocas imitadoras, e, quanto mais violentamente elas disserem o preço único de ser, mais elas secarão nos lábios em fórmulas mecânicas, embalando os espíritos em crescentes trevas de inconsciência. Assim, toda religião nasce para sufocar, imitando-o, o despertar humano que é sua origem, sua « revelação ».
Que um matemático, por um ato de reflexão real, faça uma descoberta no domínio dos números, e imediatamente ele mesmo inventará uma fórmula que, aprendida de cor, servirá doravante para resolver toda uma ordem de problemas sem que seja preciso pensar. Assim a álgebra mata a aritmética, como a religião mata a revelação: uma e outra são instrumentos que evitam pensar, sucedâneos mortos da reflexão. [1] Da mesma forma ainda, é reconhecido que o número de descobertas e invenções científicas, em uma dada época, é, de forma bastante sensível, na razão inversa do grau de perfeição da técnica.
Muitos outros exemplos mostrariam, na história do espírito humano, o pensamento suscitando, simulacros de si mesmo, as ferramentas de seus próprios funerais; e o ser, cada vez que ele se afirma, colocando em jogo as forças de inércia do não ser, Mas tenhamos cuidado, nós que nos expressamos com palavras, para não confundir o pensamento com suas manifestações verbais. A história do pensamento humano não se restringe à história da filosofia; esta estuda quase exclusivamente manifestações muito particulares, em alguns indivíduos de eleição, dos sucessivos despertares da consciência. Se o pensamento visa uma Verdade, esta verdade deve ser considerada como valendo universalmente. E todos os homens, sem exceção, devem ser vistos como possibilidades de ser esta verdade. Pouco importa, a este respeito, se, preocupados em ensinar, alguns deles se expressam publicamente e se tornam filósofos. Eu não tenho o direito de não ver em toda forma humana um pensador possível, um ser virtual podendo um dia passar ao ato. Por outro lado, todas as formas humanas estão ligadas entre si por relações sociais. É preciso, portanto, prever que a história das formas do pensamento e do não-pensamento, e a história das formações sociais se interpenetrarão; e a observação constata esta correlação posta a priori.
Para as massas humanas formadas em sociedade, « não ser », é aceitar modos falaciosos e prontos de agir, de pensar, de sentir. Este consentimento é ao mesmo tempo perda da liberdade. Pois não pode haver liberdade para quem dorme. Em todos os povos, em cada época, encontram-se homens para lucrar com o poder opressor de todas estas falsificações do pensamento, dogmas, ideologias, tradições; eles se tornam seus defensores e impõem estes modos de não ser àqueles que sofrem sua dominação. Mas por isso mesmo, eles também se colocam sob o domínio destas correntes de sono, e ainda mais na medida em que asseguraram por seu meio uma segurança maior. Assim o Poder é sofrido, em retorno imediato, por aqueles que o exercem.
Duas vezes sofrido: pois a segurança no sono prende duplamente o opressor. Nunca é uma classe dominante que começará a despertar, a constatar sua decadência e a reformar o regime social; ela deve reforçar sem cessar as crenças que asseguram sua potência; não podendo quase fingir, para reinar, uma fé que ela não teria, ao persuadir seus escravos, ela doutrina a si mesma, e assim se prende sempre mais. É a classe oprimida que, superior nisso, tem mais chances de tomar consciência; ela não tem nada a ganhar em nutrir estas forças de sono; seu interesse material é primeiro sacudir sua servidão econômica, e consequentemente atacar tudo o que estabelece e mantém esta escravidão. É, portanto, indiretamente, sob a provocação de uma coerção econômica, mas necessariamente, que a classe oprimida deve, ao negar as ideologias entorpecentes dos opressores, encontrar a ocasião de despertar.
Um outro fator que escraviza e entorpece os povos, é o progresso não controlado, mal utilizado, das técnicas de produção. Antigamente, o artesão tinha ainda algumas ocasiões de pensar. O oleiro que, com os pés e as mãos, amassa o barro informe, o sova, o gira e o coze, dispõe de uma multidão de receitas, de tradições de ofício, de truques de mão necessários, é verdade que o dispensam de refletir. Mas a terra que ele trabalha resiste; ela tem suas leis, suas propriedades, que ele deve respeitar fielmente, que ele deve dirigir com uma flexível habilidade até a forma final - quero dizer ao mesmo tempo termo e objetivo de seus esforços - do vaso que ele quer fabricar. A matéria assim lhe coloca continuamente questões às quais seu saber-fazer e seus hábitos nem sempre são suficientes para responder; de tempos em tempos ele deve pensar. Hoje, os malefícios do que se chama a « racionalização » se tornaram clichês. Se reconhece que ela tira do homem toda necessidade e toda ocasião de pensar. O operário não está mais em conflito com a matéria. Ele só tem um gesto a fazer, sempre o mesmo. Mil vezes por dia, a « linha de montagem » traz diante dele a mesma peça, da qual ele não precisa saber a proveniência, nem o destino, e mil vezes sua mão faz o mesmo movimento, preciso, automático. O operário, tornado máquina entre as máquinas, não sofre esta escravidão somente durante suas oito horas de trabalho. Nas fábricas mais « modernas », da América e já da Europa, se vê os patrões vigiar cada vez mais de perto, graças a uma polícia particular, suas opiniões, suas palavras, seus gestos; regular a utilização de seus lazeres; impor-lhe as distrações mais próprias a entorpecê-lo ainda mais; escolher para ele os livros, jornais ou revistas que ele deve ler, os filmes que ele deve ver; controlar enfim os detalhes mais íntimos de sua vida.
O operário moderno é assim, muitas vezes, mais escravizado ainda que o artesão de antigamente, que trabalhava duas vezes mais tempo. A racionalização, que substitui o pensamento por mecanismos, poderia, ao reduzir o tempo de trabalho, permitir ao operário liberar seu espírito da aplicação à tarefa cotidiana, e progredir sem entraves. Sob este pretexto, e em nome de pretensas reformas sociais, certos partidos supostamente proletários, em conjunto com os técnicos da burguesia, organizam mecanicamente toda a vida do trabalhador. Como se lubrifica, limpa, verifica e protege uma máquina delicada, se lhe assegura cuidadosamente o mínimo de segurança material necessária para obter dela o máximo de rendimento, para que o capitalismo que o emprega tire o maior lucro possível; e, por esta exploração sistemática do poder produtivo da besta humana, a burguesia pode economizar um número crescente de assalariados, assim reduzidos ao desemprego e à miséria; destes a sociedade só fala e se preocupa na exata medida em que ela teme as possíveis explosões de sua cólera. É assim que se fala do bem-estar e do conforto de que desfrutam os operários dos Estados Unidos: correntes de ouro, talvez, mas tanto mais pesadas para os corpos, e que por seu brilho ofuscam e entorpecem os espíritos.
Mas, embora o tema do homem-máquina tenha se tornado um assunto banal, frequentemente se esquece isto: enquanto no estágio artesanal os produtores permaneciam mais ou menos isolados uns dos outros, a opressão em massa dos trabalhadores, ao esmagar os indivíduos, ao rebaixá-los ao papel de engrenagens no grande mecanismo econômico, cria entre eles uma coesão que pouco a pouco se tornará indissolúvel; e quando esta massa tiver tomado claramente consciência de sua unidade de classe, seu impulso em direção à libertação, seu despertar e sua potência-destrutiva estarão à medida do peso que a esmaga hoje.


Ver online : DAUMAL, René. Tu t’es toujours trompé. Paris: Mercure de France, 1970
DAUMAL, René. Tu t’es toujours trompé. Paris: Mercure de France, 1970
[1] Graças ao ensino prematuro da álgebra nas instituições de ensino secundário, muitos estudantes, que resolvem brincando uma equação de terceiro grau, se encontram incapazes de encontrar, por raciocínio, a solução de um problema de aritmética muito simples; uma criança da escola primária se mostrará frequentemente mais hábil que ele.