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O’Flaherty – Contexto

domingo 29 de junho de 2025

Minhas ideias sobre contexto mudaram como resultado de escrever dois livros que utilizaram o contexto de maneiras novas para mim e de tomar consciência da nova onda de trabalhos bem contextualizados agora sendo realizados por outros estudiosos. Também passei a perceber que abordagens comparativas que subordinam o contexto à morfologia ou a significados compartilhados precisam de uma defesa mais forte diante do movimento contínuo, no campo dos estudos religiosos, contra qualquer coisa que cheire a universalismo mais amplo. Não mudei meu pensamento básico sobre comparação; não passei para o lado sombrio dos estudos históricos marxista-foucaultianos radicais. Ainda acho que a comparação intercultural vale a pena e pode ser feita de forma responsável e rigorosa. Mas agora percebo mais plenamente o quanto se perde se o contexto for abandonado e quantas maneiras existem de contextualizar a comparação para torná-la mais rica. Em outras palavras, pretendo manter minha posição, mas agora reconheço que os argumentos contra minha posição são mais fortes do que eu havia percebido antes e devem ser enfrentados com mais coragem e honestidade, mesmo que seja para recuar a fim de saltar melhor.

Um aliado inesperado na defesa da comparação, não apenas apesar, mas precisamente por causa da perda de contexto, é a dupla Hannah Arendt Arendt e Walter Benjamin. Arendt Arendt escreve em sua introdução a Iluminações de Benjamin:

A partir do ensaio sobre Goethe Goethe Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) , as citações estão no centro de cada obra de Benjamin. Esse fato distingue seus escritos de trabalhos acadêmicos de todos os tipos, nos quais a função da citação é verificar e documentar opiniões, razão pela qual podem ser seguramente relegadas às notas. Isso está fora de questão para Benjamin. Quando trabalhava em seu estudo sobre o drama barroco alemão, ele se vangloriava de "mais de 600 citações muito sistemática e claramente organizadas" (Briefe I, 339); como os cadernos posteriores, essa coleção não era um acúmulo de trechos destinados a facilitar a escrita do estudo, mas constituía o trabalho principal, sendo a escrita algo secundário. O trabalho principal consistia em arrancar fragmentos de seu contexto e reorganizá-los de tal forma que se ilustrassem mutuamente e pudessem provar sua razão de ser em um estado, por assim dizer, livre-flutuante.

"Arrancar fragmentos de seu contexto" os priva de um conjunto de significados, mas torna possível outro conjunto de significados "livres-flutuantes" por meio dos quais os fragmentos se ilustram mutuamente. Isso é paralelo ao método de Claude Lévi-Strauss de permitir que mitos inteiros se expliquem uns aos outros, o que pressupõe que é preciso ter muitas variantes de um mito para começar a análise.

O poder "livre-flutuante" de um mito que se libertou de sua âncora contextual tem, creio, menos valor para a maioria dos estudiosos de mitos do que tinha para Walter Benjamin. Pois os mitos são sempre sensíveis ao contexto. Reconhecer a importância do contexto me levou a levar mais a sério a possibilidade de comparar contextos, um assunto que abordei na primeira edição, mas não desenvolvi tanto quanto poderia. Tal comparação ainda começa com a formulação do estudioso (por mais arbitrária que seja) do tema de estudo, o micromito, e a seleção de pelo menos duas culturas que pensaram sobre esse tema. Mas, nesse ponto, um segundo processo intervém, levando em conta o contexto histórico de cada ocorrência do micromito, mostrando como ele foi inspirado ou configurado pelos eventos da época, como respondeu ao que estava acontecendo no cenário político e econômico. Os dois contextos podem então ser comparados, junto com os dois mitos, assim como a relação entre cada história e seu contexto. Essa abordagem sincrônica contextualizada evita algumas das piores armadilhas das comparações mais puramente morfológicas da escola eliadiana. Ajuda a ver não apenas que as histórias mudam, mas por que mudam. Esbocei, na primeira edição deste livro, a maneira como estava tentando fazer isso em minha comparação dos mitos da Helena sombra na Grécia e da Sita sombra na Índia; o resultado é o livro Splitting the Difference.

Na primeira edição, argumentei que o foco no contexto, em certa medida, embota nossa apreciação da individualidade. A questão da originalidade é sempre um enigma, em parte porque nunca podemos explicar o gênio individual; é claro que as ideias não surgem no vácuo, nem são apenas a soma total das ideias que as precederam. Indivíduos têm ideias, muitas vezes bastante diferentes das ideias de outras pessoas vivendo no mesmo tempo e lugar. Isso é particularmente importante para lembrar quando buscamos as vozes de pessoas marginalizadas, que muitas vezes alcançam como indivíduos o que não conseguem como grupo. Mas o contexto ainda é muito importante para entender uma força que trabalha em conjunto com a originalidade, a saber, a capacidade de florescer, de prevalecer. A originalidade é importante para os estudiosos reconhecerem, embora seja, em última análise, impossível de explicar; mas algum grau de conhecimento das condições sob as quais ideias originais sobrevivem está frequentemente ao nosso alcance. O contexto histórico pode explicar por que algumas narrativas se firmam e se espalham, enquanto outras não; as histórias só criam raízes quando se tornam importantes para as pessoas em um determinado momento, quando se conectam a algo que essas pessoas valorizam.

Também podemos contextualizar um mito diacronicamente, mostrando como cada narrativa é uma reação a narrativas anteriores dentro de sua própria tradição (como qualquer boa abordagem filológica tradicional faria). Levar em conta o desenvolvimento diacrônico permite ver como certas ideias em evolução se transformam, o que não podemos fazer com um foco contextualizado em um evento ou texto específico em um momento particular. Dessa forma, o telescópio, o visor, do contexto histórico complementa o microscópio da análise puramente textual.


O’FLAHERTY, Wendy Doniger. The implied spider: politics and theology in myth. Updated ed. ed. New York: Columbia University Press, 2011.