"O que é um buraco?", perguntava um palhaço ao seu comparsa na pista do Medrano. Tendo o deixado embaraçado, apressava-se a triunfar: "Um buraco", dizia, "é uma ausência rodeada de presença". Para mim, este é o exemplo da definição perfeita e a tomarei emprestada para precisar meu objeto. Um fantasma é, de fato, um buraco; mas um buraco ao qual se atribuem intenções, uma sensibilidade, costumes; um buraco, isto é, uma ausência – mas a ausência de alguém e não de algo – rodeado de presença – (…)
Excertos de obras literárias, cênicas e gráficas, além de crítica literária, com foco no imaginal mitográfico, lendário e fantástico.
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René Daumal – A patafísica dos fantasmas (Segunda Versão)
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1º de julho, por Murilo Cardoso de CastroEm um ensaio intitulado “Une expérience fondamentale” (Uma Experiência Fundamental), Daumal relata uma “experiência” na qual ele inalou, por volta dos dezesseis ou dezessete anos, tetracloreto de carbono a fim de observar — muito como um cientista poderia observar um experimento — sua consciência se aproximando do limiar da asfixia, da morte. As primeiras palavras do ensaio são “A experiência é impossível de relatar.” Após o evento, Daumal estava convencido de que um fundamento do ser e da (…)
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Thomas Vosteen – Daumal e a Patafísica
1º de julho, por Murilo Cardoso de CastroDaumal cresceu no norte da França e cursou o ensino médio em Reims, onde fez amizades que se tornaram companheiros de jornada interessados em escrever e viver a poesia — especialmente a poesia na linhagem de Arthur Rimbaud, outro adolescente cuja revolta contra os valores burgueses foi fundamental para revolucionar o tom das letras francesas. (De fato, Rimbaud também era nativo da mesma região.) Mas o grupo de adolescentes, autodenominado “les Phrères Simplistes”, também exibia a influência (…)
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René Daumal – Paraísos artificiais (2.27)
1º de julho, por Murilo Cardoso de CastroO Professor Mumu me alcançou.
— Pois bem, disse-me ele, conseguiram o coelho vermelho deles! Mas é preciso vê-los, sobretudo, quando lhes dão um homem, a esses canibais falidos. De um único homem, eles fazem mil: homo economicus, homo politicus, homo physico-chimicus, homo endocrinus, homo squeletticus, homo emotivus, homo percipiens, homo libidinosus, homo peregrinans, homo ridens, homo ratiocinons, homo artifex, homo aestheticus, homo religiosus, homo sapiens, homo historicus, homo (…) -
René Daumal – Paraísos artificiais (2.24)
1º de julho, por Murilo Cardoso de Castro— Jovem, declarou com uma condescendência amável a barba branca do professor Mumu, jovem, chega em boa hora. Quer visitar os Explicadores, ao que parece?
— Sim, menti, pois pensei que um ou dois litros de vinho tinto teriam me servido muito melhor.
— Pois bem, eu estava justamente começando minha rodada entre eles; siga-me, instruir-se-á. Mas devo antes dar algumas explicações.
(“Pronto, ele também”, disse a mim mesmo, mas fingi prestar atenção com avidez.)
— Os Explicadores se (…) -
René Daumal – Paraísos artificiais (2.22)
1º de julho, por Murilo Cardoso de CastroDeixamos de lado uma infinidade de variedades secundárias de Fabricantes. Meu guia bem que gostaria de me arrastar para uma vasta fábrica onde se faziam filmes cinematográficos, mas o espetáculo que vislumbrei assim que ele me abriu a porta me repeliu tão fortemente que não quis ver mais nada. Sob uma luz ofuscante, entre uma floresta virgem de papel, um canto de porto de mar de papelão e metade de um quarto de dormir de novo-rico, entre barbantes, tábuas que balançavam no ar, vigas e cabos (…)
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René Daumal – A Índia e o Tibete
1º de julho, por Murilo Cardoso de CastroA Índia e o Tibete, ao longo de sua história, viram mais do que qualquer outro país um prodigioso florescimento de tentativas de pensar. E mais do que em qualquer outro país, os diversos cleros sempre souberam apoderar-se de todas as manifestações do pensamento, para transformá-las em instrumentos do poder teocrático. Essa contrapartida não nos espanta mais. Mas nós, cujo objetivo é despertar, devemos buscar por que esses sobre-humanos esforços de consciência falharam; daí poderemos talvez (…)
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René Daumal – Paraísos artificiais (2.21)
1º de julho, por Murilo Cardoso de Castro— Os Kirittiks estão bem abastecidos? — perguntei ao enfermeiro depois de me sacudir de toda sorte de pensamentos sombrios.
— Sim. Cada um deles tem pelo menos cinco romances, três ensaios, duas obras filosóficas, setenta e duas coletâneas de poemas, quinze Vidas de homens ilustres, vinte livros de Memórias, trinta panfletos e pilhas de jornais e revistas para absorver até o fim da semana. E é sempre assim. São infatigáveis e insaciáveis. Perderíamos nosso tempo tentando conversar com (…) -
René Daumal – Os paraísos artificiais (2.20)
1º de julho, por Murilo Cardoso de CastroEle me fez entrar numa casa de aspecto bem comum. Subimos dois ou três andares, ele tocou a campainha de uma porta, me apresentou a um certo “Senhor Aham Egomet” e me disse com uma piscadela maliciosa:
— Deixo-os a sós por alguns minutos. Enquanto isso, vou verificar se os Kirittiks estão suficientemente abastecidos de leitura, pois é disso apenas que se saciam. Até já.
Pela primeira vez desde minha excursão entre os Evadidos, senti-me em casa. O quarto onde estava era tão familiar que (…) -
René Daumal – Os paraísos artificiais (2.19)
1º de julho, por Murilo Cardoso de CastroNão quis ver os Ruminssiés senão de longe e acreditei na palavra do meu guia, que me explicou brevemente:
— Passam o tempo a narrar por escrito vidas imaginárias. Uns contam o que viveram, atribuindo a personagens de sua fantasia, para se eximirem da responsabilidade e se permitirem todas as impudências. Outros fazem suas criaturas viverem tudo o que teriam gostado de viver, para se darem a ilusão de tê-lo vivido.
“Há ainda entre eles, é verdade, duas seitas heréticas, os Mnemógrafos e (…)
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